Aulas 5-6 (12 de Outubro de 2006)
Abordando de forma sintetizada a importância que Martinho Lutero teve no século XVIII para o estabelecimento do conceito moderno do sujeito, ocupar-nos-emos seguidamente do racionalismo, a partir de uma consideração da filosofia de René Descartes.
Para a consideração da filosofia cartesiana procederemos à análise de uma das suas muitas obras, nomeadamente as “Meditações sobre a Filosofia Primeira”.
Relativamente a Martinho lutero, verificou-se, na sua obra “Sobre a Liberdade Cristã”, que este introduz uma distinção entre a fé e as obras, distinção essa pela qual ele se contrapõe à noção clássica de virtude enquanto prática e aperfeiçoamento do homem através das boas obras. Se os clássicos tinham entendido a possibilidade de o homem adquirir boas disposições, aperfeiçoando-se interiormente, através do cultivo exterior de determinadas práticas virtuosas, Lutero apresenta agora a fé como sendo um puro dom de Deus, determinando assim a alma do homem, a sua realidade interior, como uma realidade puramente interior ao homem, estando em contacto directo com Deus e não sendo de nenhum modo influenciada por constrangimentos corpóreos e pelas suas acções exteriores. Na perspectiva de Lutero, a fé não é uma virtude. E, não o sendo, ela não é nada de humano.
Para a consideração da filosofia cartesiana procederemos à análise de uma das suas muitas obras, nomeadamente as “Meditações sobre a Filosofia Primeira”.
Relativamente a Martinho lutero, verificou-se, na sua obra “Sobre a Liberdade Cristã”, que este introduz uma distinção entre a fé e as obras, distinção essa pela qual ele se contrapõe à noção clássica de virtude enquanto prática e aperfeiçoamento do homem através das boas obras. Se os clássicos tinham entendido a possibilidade de o homem adquirir boas disposições, aperfeiçoando-se interiormente, através do cultivo exterior de determinadas práticas virtuosas, Lutero apresenta agora a fé como sendo um puro dom de Deus, determinando assim a alma do homem, a sua realidade interior, como uma realidade puramente interior ao homem, estando em contacto directo com Deus e não sendo de nenhum modo influenciada por constrangimentos corpóreos e pelas suas acções exteriores. Na perspectiva de Lutero, a fé não é uma virtude. E, não o sendo, ela não é nada de humano.
Sendo assim, Lutero apresenta duas afirmações paradoxais: o homem cristão é, por um lado, um sujeito absolutamente livre; e, por outro lado, esse mesmo homem é servo, vinculado. Apesar de estas duas afirmações serem, consideradas em si mesmas, incompatíveis, Lutero considera que estas podem ser compatibilizadas a partir de uma concepção dualista do Homem. Portanto, o homem é uma realidade complexa, no qual estão patentes duas dimensões: a corporal e a espiritual. Esta dualidade humana entre a alma e o corpo prende-se também, por outro lado, a um segundo dualismo: o da liberdade. A pessoa interior, que é possuidora de uma natureza espiritual, é essencialmente livre. É o homem interior, enquanto sujeito inteiramente livre, que, na sua relação directa com Deus, é animado pela fé enquanto dom de Deus. A pessoa exterior ou corpórea está sempre constrangida pela sua situação no mundo e pelas obras que essa sua situação no mundo lhe impõe. Nesse sentido, ela não é livre, embora uma tal ausência de liberdade não prejudique, no essencial, a liberdade interior e a fé de cada homem.
Portanto, mediante o que foi referido anteriormente, depreendemos que Lutero considera que não é importante o que exteriormente somos, porque isso não determina a liberdade. O que interessa é que, por mais difícil e servil que seja a condição exterior do homem, este conserve, no seu íntimo ou na sua dimensão interior, uma essencial liberdade.
Para Lutero, nenhuma obra exterior salva ou condena o homem e, por seu turno, das obras não pode resultar nenhuma interferência no plano espiritual. As boas obras não têm qualquer interferência ou eficácia na existência da fé no homem e, portanto, na sua salvação, mas a sua realização consiste apenas numa manifestação da boa disposição de Deus em relação a esse homem. Noutros termos: não é porque realiza boas obras que o homem é salvo e querido por Deus, mas, pelo contrário, se ele for eleito por Deus para a salvação, se ele for agraciado por Deus com o dom da fé, então ele fará inevitavelmente boas obras. As boas obras são consequências da fé, decorrem dela; isto é, o homem que tenha fé não pode deixar de fazer boas obras.
Esta concepção de Lutero de um homem dividido entre as dimensões interior e exterior constituirá aquilo a que se poderá chamar o pressuposto metafísico da Modernidade: o dualismo.
Para Lutero, nenhuma obra exterior salva ou condena o homem e, por seu turno, das obras não pode resultar nenhuma interferência no plano espiritual. As boas obras não têm qualquer interferência ou eficácia na existência da fé no homem e, portanto, na sua salvação, mas a sua realização consiste apenas numa manifestação da boa disposição de Deus em relação a esse homem. Noutros termos: não é porque realiza boas obras que o homem é salvo e querido por Deus, mas, pelo contrário, se ele for eleito por Deus para a salvação, se ele for agraciado por Deus com o dom da fé, então ele fará inevitavelmente boas obras. As boas obras são consequências da fé, decorrem dela; isto é, o homem que tenha fé não pode deixar de fazer boas obras.
Esta concepção de Lutero de um homem dividido entre as dimensões interior e exterior constituirá aquilo a que se poderá chamar o pressuposto metafísico da Modernidade: o dualismo.
O dualismo próprio do pensamento moderno estabelece então, à partida, uma confrontação entre um sujeito interior e um mundo que lhe é exterior. E uma tal relação é, antes de mais, uma relação de domínio. Uma tal relação de domínio torna-se manifesta na configuração moderna da verdade: a certeza. Para a modernidade, ser "verdadeiro" é ser certo e, nesse sentido, seguro. Esta procura moderna da segurança torna-se patente nas duas grandes construções modernas: a ciência moderna e o Estado moderno. Por um lado, a ciência moderna constitui-se como uma fonte de progressiva dominação do mundo natural pelo homem. A física matemática moderna consiste na tentativa de tornar a natureza previsível e segura pelo homem. Por outro lado, o Estado soberano da modernidade é pensado como a instituição através da qual a vida dos homens se torna segura. Em ambos os casos, surge um sujeito que se torna cada vez mais seguro, seja diante do mundo natural, através da ciência, seja através do mundo social e dos outros, através da soberania do Estado moderno.
Procedendo à análise da obra “Meditações sobre a Filosofia Primeira” de Descartes, consideremos o seguinte passo:
“Notei, há alguns anos já, que, tendo recebido desde a mais tenra idade tantas coisas falsas por verdadeiras, e sendo tão duvidoso tudo o que depois sobre elas fundei, tinha de deitar abaixo tudo, inteiramente, por uma vez na minha vida, e começar, de novo, desde os primeiros fundamentos, se quisesse estabelecer algo de seguro e duradoiro nas ciências” ( Meditação I, p.105)
Nesta passo, Descartes tenta patentear que o entendimento deve encontrar em si mesmo as verdades fundamentais, a partir das quais seja possível deduzir um edifício “seguro e duradouro” dos nossos conhecimento. Por isso, considera que, para construir este edifício, devemos partir de uma verdade absolutamente certa, indubitável acerca do qual não seja possível em absoluto duvidar
“Mas, porque a razão me persuade logo não devo menos cuidadosamente coibir-me de dar o meu assentimento às coisas que não são plenamente certas e indubitáveis do que às abertamente falsas, para rejeitá-las todas basta que se me depare em uma delas qualquer razão de dúvida” (Meditação I, p.106)
Ele considera então que temos efectivamente de duvidar e eliminar tudo aquilo que se apresente ao nosso espirito como duvidoso e, por isso, considera que a primeira e a mais óbvia razão para duvidar dos nossos conhecimentos encontra-se no carácter equívoco daqueles conhecimentos que parecem ter origem nos sentidos
“Sem duvida, tudo aquilo que até ao presente admiti como maximamente verdadeiro foi dos sentidos ou por meio dos sentidos que o recebi” (Meditação I, p.107)
Descartes considera que, se os sentidos nos induzem às vezes em erro, se estes nos enganam algumas vezes, poderão, mesmo que não o saibamos, enganar-nos sempre.
“Porém descobri que eles por vezes nos enganam, e é de prudência nunca confiar totalmente naqueles que, mesmo uma só vez nos enganaram” ( Meditação I, p. 107).
Os sentidos, deste modo, não têm um fundamento absolutamente certo e indubitável. Deste modo, este primeiro argumento - o de que os nossos sentidos às vezes nos enganam, produzindo percepções equivocadas, e de que, portanto, as coisas podem não ser como parecem - leva Descartes a concluir que o mundo exterior pode não ser aquilo que parece.
Posteriormente, Descartes introduz uma segunda razão para duvidar: a impossibilidade de distinguir a vigília do sonho
“Com efeito, quantas vezes me acontece que, durante o repouso nocturno, me deixo persuadir de coisas tão habituais como que estou aqui, com o roupão vestido, sentado à lareira, quando, todavia, estou estendido na cama e despido” (Meditação I, p.108).
Portanto, também os sonhos nos mostram com frequência mundos de objectos com alguma veracidade; no entanto, ao despertarmos, descobrimos efectivamente que os mundos desses objectos não têm afinal uma existência real.
No entanto, apesar desta impossibilidade de distinguir o sono da vigília, que conduz à dúvida da existência das coisas e do mundo, para Descartes esta impossibilidade não parece afectar certas verdades como as matemáticas.
No entanto, apesar desta impossibilidade de distinguir o sono da vigília, que conduz à dúvida da existência das coisas e do mundo, para Descartes esta impossibilidade não parece afectar certas verdades como as matemáticas.
“porque, quer eu esteja acordado quer durma, dois e três somados são sempre cinco e o quadrado nunca tem mais do que quatro lados, e parece impossível que verdades tão evidentes possam incorrer na suspeita da falsidade” ( Meditação I, p.110).
Ou seja: quer eu esteja acordado ou a sonhar, parece impossível que alguém seja enganado acerca de coisas tão obvias como o facto de “ dois mais três perfazerem cinco” ou “ um quadrado ter quatro lados”; logo, as verdades matemáticas e geométricas são evidentes e distintas e por isso, indubitáveis.
Finalmente, Descartes introduz um terceiro motivo de duvida, ou seja, a hipótese de um Deus Maligno
“Todavia, está gravada no meu espírito uma velha crença, segundo a qual existe um deus que tudo pode e pelo qual foi criado tal como existo. Mas quem me garante que ele não procedeu de modo que não houvesse nem terra, nem céu…, e, que, no entanto, tudo isto me parecesse existir tal como agora?” ( Meditação I, p.110).
Portanto, ao imaginar a hipótese de um Deus enganador, Descartes considera que este nos faz com que nos enganaremos “ mesmo em relação àquelas coisas que pensamos melhor conhecer”.
Deste modo, e mediante o que foi refrido anteriormente, ou seja, se nem os sentidos, nem a matemática estão acima da duvida “o que é, então, que pode ser considerado verdadeiro?”. A primeira resposta que Descartes sugere é que a única coisa certa e indubitável é “que nada é certo”. Entretanto, Descartes percebe que, se ele duvida de tudo, há algo do qual não lhe é possível duvidar; ou seja, do facto de que ele está a duvidar, isto é, se ele está a pensar, num dado momento, então a sua existência é, naquele momento, absolutamente certa e indubitável “Eu sou, eu existo!”. Portanto, com esse enunciado Descartes acredita ter descoberto a sua primeira certeza, ou seja, ele existe todas as vezes que pensa, que duvida e que é enganado.
No entanto, ressalta que, apesar de ter certeza de que existe, tal não implica que tenha certeza de que tem um corpo (res extensa). A única coisa de que pode ter certeza é de que existe enquanto ser pensante, enquanto res cogitans.
Posteriormente, Descartes afirma a intencionalidade do pensamento: o pensar pensa sempre Ideias; por exemplo, na afirmação “Eu penso, eu existo”, o pensamento é como uma “actividade”, um acto de pensar, e o “eu” torna-se o própria objecto desse mesmo pensar enquanto acto.
Seguidamente, Descartes distingue três tipos de ideias:
a) as Ideias adventícias: são aquelas que parecem provir da nossa experiência externa,
b) as Ideias factícias: são as ideias que dependem do nosso arbítrio, ou seja, são as ideias que a mente constrói a partir de outras ideias e
c) as Ideias inatas: que são aquelas que nascem com o “eu” e que, por isso, são intrínsecas ao próprio espírito humano.
Acontece que, entre estas Ideias inatas, Descartes descobre a ideia de infinito, a qual identifica como a ideia de Deus; ou seja, o espírito entende a Ideia de Deus que é intrínseca ao próprio espírito. A ideia de Deus como ser infinito é então uma ideia inata ao próprio espírito. O espírito pensa e não pode deixar de encontrar nele mesmo a ideia de infinitude.
Assim, se o “eu” finito pensa o infinito e se as Ideias pensadas pelo “eu” são realidades enquanto objectos do espírito, são coisas, são “res”, tendo assim uma realidade objectiva (uma realidade enquanto objectos do pensamento), tal quer dizer que na ideia de infinito é pensada uma ideia cuja realidade objectiva não pode ser causada pela realidade formal do sujeito. Portanto, se a realidade objectiva da ideia de infinito ultrapassa a própria realidade formal do sujeito finito que a pensa, tal quer dizer que se torna necessário afirmar um realidade cuja realidade formal contenha tanta realidade quanto a realidade que está contida na própria realidade objectiva da ideia de infinito. Deste modo, só um ente infinito (Deus) pode ter posto em mim a própria ideia de infinito; ou seja, só a existência de um sujeito infinito vai permitir em mim a ideia de infinito. Descartes pretende assim provar a realidade de Deus enquanto res infinita. E será esta ideia de uma existência infinita que vai eliminar a hipótese de um Deus Maligno, na medida em que um ser perfeito, enquanto perfeito, não pode enganar.
Acontece que, entre estas Ideias inatas, Descartes descobre a ideia de infinito, a qual identifica como a ideia de Deus; ou seja, o espírito entende a Ideia de Deus que é intrínseca ao próprio espírito. A ideia de Deus como ser infinito é então uma ideia inata ao próprio espírito. O espírito pensa e não pode deixar de encontrar nele mesmo a ideia de infinitude.
Assim, se o “eu” finito pensa o infinito e se as Ideias pensadas pelo “eu” são realidades enquanto objectos do espírito, são coisas, são “res”, tendo assim uma realidade objectiva (uma realidade enquanto objectos do pensamento), tal quer dizer que na ideia de infinito é pensada uma ideia cuja realidade objectiva não pode ser causada pela realidade formal do sujeito. Portanto, se a realidade objectiva da ideia de infinito ultrapassa a própria realidade formal do sujeito finito que a pensa, tal quer dizer que se torna necessário afirmar um realidade cuja realidade formal contenha tanta realidade quanto a realidade que está contida na própria realidade objectiva da ideia de infinito. Deste modo, só um ente infinito (Deus) pode ter posto em mim a própria ideia de infinito; ou seja, só a existência de um sujeito infinito vai permitir em mim a ideia de infinito. Descartes pretende assim provar a realidade de Deus enquanto res infinita. E será esta ideia de uma existência infinita que vai eliminar a hipótese de um Deus Maligno, na medida em que um ser perfeito, enquanto perfeito, não pode enganar.
relatora: Bárbara Santos
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